quinta-feira, 7 de março de 2013

Biografia de Camões

Luís Vaz de Camões (1525? - 1580?)
          É o nome do mais célebre dos escritores portugueses. Era filho de Simão Vaz de Camões (descendente de um fidalgo galego que veio para Portugal no tempo de D. Fernando) e de Ana de Sá Macedo. Tudo parece indicar, embora a questão se mantenha controversa, que Camões pertencia à pequena nobreza
           Impossível determinar a terra natal do poeta. Lisboa? Coimbra? Admite-se que tenha estudado em Coimbra, uma vez que a vastidão e a profundidade da sua cultura dificilmente se explicam sem a frequência de estudos superiores, embora não haja qualquer prova de que tenha frequentado a  Universidade. Provavelmente, estudou no Mosteiro de Santa Cruz, por volta de 1540.  Na sua lírica, o poeta refere-se às «doces e claras águas do Mondego» e «Vão as serenas águas...»  
           A partir de 1550, Luís de Camões está em Lisboa, onde frequentava a Corte. Nesta época, terá passado por algumas desventuras amorosas. A estadia em Lisboa foi interrompida pelo serviço militar no Norte de África, onde foi ferido em combate, tendo perdido o olho direito ( Canção X). A sua estada em Ceuta é documentada na elegia «Aquela que de amor descomedido».
           Em 1552, de regresso a Lisboa, frequenta dois meios muito diferentes: por um lado, participa nos serões do Paço e na vida da Corte, relacionando-se com fidalgos de alta estirpe e com algumas das principais damas da Corte. Por outro, entrega-se a uma vida de boémia, frequentando «damas de aluguer», fazendo parte de bandos de brigões e colaborando em rixas violentas. Na sequência de uma dessas brigas de rua, agrediu e feriu com a espada o encarregado dos arreios do monarca (um servidor real). Foi preso na cadeia do Tronco  No ano seguinte foi posto em liberdade por ter sido perdoado pelo ofendido e por ter pedido perdão ao rei. Em Lisboa não se lhe conhece profissão ou modo de vida. Talvez por isso, Camões terá pensado em partir para a Índia como forma de ganhar a vida. 
           Em 1553, partiu para a Índia na nau S. Bento e desembarcou em Goa, local que o decepcionou. Chama-lhe «Babilónia onde mana/matéria a quanto mal o mundo cria».
        Na Índia, presta serviço militar durante três anos e participa em importantes expedições guerreiras: ao Malabar e ao estreito de Meca, onde escreve a Canção «Junto de um seco, fero, estéril monte».
            Os seus biógrafos referem as grandes dificuldades que terá passado no oriente: depois de liberto do serviço militar, enveredou pelo funcionalismo público, a par de períodos sem ocupação. Desempenhou o cargo de provedor dos defuntos e ausentes em Macau, mas alguns bens que tenha acumulado perdeu-os no naufrágio que sofreu de regresso à Índia, do qual teve de salvar-se a nado, salvando também o poema. Foi preso em Goa pelo governador Francisco Barreto, acusado de desviar em seu favor bens sobre os quais estava encarregado de velar.
             Estes revezes deixam imaginar uma vida cheia de dificuldades, das quais se compensaria com um certo humor e com a camaradagem com os amigos, de que são testemunho os versos em que os convida para um banquete de... trovas.
             Por volta de 1568, vai para Moçambique, esperando encontrar aí vida melhor. Diogo do Couto encontrou-o na miséria, tendo ajudado o Poeta a regressar a Lisboa. Aqui, empenha-se na publicação de Os Lusíadas, cuja 1.ª edição data de 1571.
             Passa a usufruir de uma tença de 15000 réis anuais, que era já mesquinha para a época. depois da morte do poeta, esta tença passou para a sua mãe.
             Os últimos tempos da vida de Luís de Camões ficaram na tradição como tempos de miséria e abandono. Quando morreu, em 10 de Junho de 1580, D. Gonçalo Coutinho mandou colocar uma lápide na sua sepultura com a seguinte inscrição: «Aqui jaz Luís Vaz de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente e assim morreu.»

Portugal no tempo de Camões

PORTUGAL NO TEMPO DE CAMÕES
Ano de 1521. Inicia-se o longo reinado de D. João III. Portugal vive ainda a euforia das realizações marítimas, do tempo de D. Manuel, O Venturoso. D. João III surge como o continuador de uma política expansionista, para a qual lhe vão faltando as estruturas de apoio necessárias. O comércio era a grande base da economia portuguesa. No entanto, o país pouco produzia e, pelo contrário, aumentava a sua dependência quanto à prata que, originária da América do Sul, chegava à Espanha em enormes quantidades. Este metal cada vez se torna mais necessário para alimentar o comércio com o Oriente. A ausência de empresas manufactureiras obriga Portugal à total compra de produtos, para os quais se fornecia a matéria-prima, que vai chegando dos vários pontos do Império. Crises agrícolas sucessivas obrigam o país a importações praticamente anuais de trigo castelhano. E, assim, a economia nacional depende cada vez mais do comércio colonial.
Todos estes problemas vão obrigar o Rei a abandonar várias praças africanas, de 1534 a 1540. O déficit vai crescendo. Apesar disso, o tipo de vida mantém-se com o mesmo luxo e riqueza. A sociedade portuguesa, principalmente a classe nobre, vê-se na quase total dependência do rei. Do monarca depende para concessão de qualquer mercê, seja nobre ou mercador. Ao rei acorrem os povos a apresentar as suas queixas, nas poucas cortes que convoca. A coroa domina no campo comercial através do seu monopólio: é ela a maior proprietária. Desta interferência só se vai libertando o clero, pois constitui o apoio do rei para a efectuação da sua política absoluta.
D. João III orgulha-se de praticar o mecenato: em torno da sua corte evoluem as personalidades mais significativas do Renascimento português, como Garcia de Resende, Damião de Góis, Pedro Nunes. Lança-se na campanha reformista da Universidade, transferida de vez para Coimbra. Funda o Colégio das Artes.
Mais tarde, a tendência religiosa e mesmo fanática de D. João III leva-o a perseguir personalidades de nomeada no ensino, que se mostravam abertas às novas ideias reformistas. Muitos foram entregues à Inquisição. Esta viragem na maneira de pensar real afasta da Corte os poucos espíritos renascentistas ainda existentes no panorama português. A Inquisição e o tratamento pouco acolhedor dado a muitos dos pensadores estrangeiros atraídos a Portugal pela fama da corte portuguesa não facilita a existência de muitos humanistas no país.
Ano de 1550. Portugal assiste ao findar do governo de D. João III e à impossibilidade de manter um império tão extenso.. Não podendo conservar o monopólio dos mares, desmoronam-se as bases com que o país se guindara ao primeiro plano, entre as nações europeias, em décadas anteriores. 
É assim o Portugal desta época: vivendo os restos de uma grandeza que se vai, girando em torno de uma corte cujo centro é um rei ilusoriamente mecenático. Lisboa, capital do reino, cidade onde a corte vive e o povo sobrevive, é o centro das atenções de quem quer singrar.
Para esta cidade vem um mancebo de ascendência vagamente nobre, mas de escassos recursos. Procura, como tantos outros, um emprego na corte e traz a cabeça cheia de trovas. Esse mancebo que, em 1550, atravessou o chamado Terreiro do Paço em direcção ao Paço da Ribeira, chamava-se Luís Vaz de Camões.
LINA FERREIRA PAZ, Luís Vaz de Camões ou A Universalidade de Um Pensamento (texto adaptado)
 
LISBOA NO TEMPO DE CAMÕES
         Lisboa vivia agora a sorte das grandes cidades da Europa. Pelas suas ruas circulavam mercadores de especiarias e ourives de todo o mundo, particularmente  gente do Mediterrâneo, que começava a perceber serem estes mercados os sucessores de Veneza.
         O Tejo era uma babel de barcos e, no cais, as línguas variadas dos marinheiros eram uma nota permanente que fazia da mais ilustre cidade do reino uma terra de viagens de estar e não estar, de chegar e de partir, de longos percursos pelo tempo e por rotas impossíveis.
         Algodão, malagueta, marfim, escravos... enchiam a Casa da Mina, tendo sido depois criada a Casa da Guiné.
         As ruas de Lisboa, principalmente perto do porto e dos barcos, fervilhavam de gentes, de dinheiro, de mercadorias, de calafates, de ferreiros, de carpinteiros navais do estaleiro da Ribeira. Marinheiros com camisas simples de burel, outros de camisas mouras, mulheres de lenço e bragal, misturavam-se com os veludos e as rendas, sob as arcadas do Hospital de Todos-os-Santos ou no adro da Ermida da Senhora do Amparo.
        






Sete amores de Camões

A poesia de Luís de Camões conta uma história acidentada e dramática, revelando o apaixonado inextinguível, que ao amor atribuiu a sua perdição.
Sete têm sido as figuras femininas imaginadas como musas de Camões, que os críticos pretendem identificar nas suas rimas: Isabel de Tavares, talvez o amor dos seus tenros anos; uma das Catarinas de Ataíde conhecidas, a "Natércia"; a Infanta D. Maria ou, segundo outros, D. Francisca de Aragão, alto amor do Paço; Nise,  ; Dinamene, possivelmente chinesa; Bárbara, que seria negra. Só uma coisa é certa: a volubilidade do poeta, que 
 Críticos há que vêem em Isabel de Tavares, prima do poeta, a "minina dos olhos verdes", tratada em verso de redondilha e ligada a um certo clima de intimidade e de apego aos valores ingénuos e familiares, que entroncam nos temas medievais.
  
       Por outro lado, os amores com D. Catarina de Ataíde remetem, segundo alguns críticos,  para o jogo cortesão. Já outros estudiosos entendem que Catarina- ou "Natércia"- seria uma outra prima do poeta, D. Catarina de Almada. Ter-se-iam conhecido em Coimbra e depois de se tornar Dama do Paço continuaram os inflamados amores. 
        A mulher que Camões quis alcançar com um voo de "águia real" teria de ser da mais elevada linhagem. Daí o ter-se procurado identificá-la com D. Francisca de Aragão, altiva camareira da Rainha D. Catarina, que casou com D. João de Borja, e com quem, por certo, Camões se correspondeu.  A D. Francisca dedicou Camões a glosa "Mas, porém, a que cuidados"
       Primorosamente engendrada é a hipótese de o grande amor do poeta ter sido a Infanta D. Maria, filha de D. Manuel e prometida a Filipe II de Espanha, que tantas paixões despertava na corte, quer pela sua formosura suavíssima, quer pela sua grande erudição. Imagina-se que tamanha audácia por parte de Camões o tenham feito cair em desgraça na Corte, provocando o seu afastamento. Crê-se mesmo que a "tese da Infanta" terá sido construída para justificar o desterro do poeta. 
     A Nise, senhora que conheceu na Índia, também o poeta dedicou alguns dos seus versos.
       
          Tem significado especial, dentro da temática amorosa, a atitude do poeta perante a morte da amada.
          O famoso soneto "Alma minha gentil...", revelador de uma atitude de resignação cristã e esperança no reencontro celestial, é certamente impessoal e imitação de sonetos de Petrarca.
            A reacção pessoal de Camões face à perda da amada é bem diversa, como podemos comprovar pela leitura da série de sonetos consagrados à memória de Dinamene. O poeta não exprime a resignação cristã, antes o desespero pelo que não tem remédio algum; não vê a mulher querida no Céu, mas nas águas que a afogaram. Sendo Dinamene oriental, como se crê, facilmente se pode justificar que Camões não a imagine no Paraíso cristão. A separação é, pois, irremediável, e nem o mar e o céu, testemunhas do desaparecimento da amada, podem oferecer uma palavra de conforto ao poeta. Mesmo os sonhos servem para sublinhar este sentimento de perda definitiva, já que o reencontro, ainda que por breves instantes, é absolutamente impossível.

     Bárbara seria outra das figuras femininas enaltecidas por Camões. É apresentada com a particularidade de a sua negrura não ser metafórica mas racial. Biógrafos e comentadores imaginaram-na das mais variadas formas: uma vendedeira mulata que teria sustentado o poeta; uma bailarina "índia"; uma hábil criada, ou mesmo uma excelente cozinheira. O fundamental acerca de Bárbara não é, contudo, a imaginação novelesca em torno da sua figura, mas os singelos e conhecidos versos que inspirou.

   
O amor como causa da perdição do poeta


                    Erros meus, má fortuna, amor ardente
                    em minha perdição se conjuraram;
                    os erros e a fortuna sobejaram,
                    que para mim bastava o amor somente.
(...)
 


volubilidade amorosa do poeta

No tempo que de Amor viver soía,
Nem sempre andava ao remo ferrolhado;
Antes agora livre, agora atado,
Em várias flamas variamente ardia.

Que ardesse num só fogo, não queria
O Céu, porque tivesse exprimentado
Que nem mudar as causas ao cuidado
Mudança na ventura me faria.


E se algum pouco tempo andava isento,
Foi como quem co peso descansou,
Por tornar a cansar com mais alento.

Louvado seja Amor em meu tormento,
Pois para passatempo seu tomou
Este meu tão cansado sofrimento!


Isabel de Tavares

Mote

Minina dos olhos verdes,
porque me não vedes?
Eles verdes são,
e têm por usança
na cor, esperança,
e nas obras não.
Vossa condição
não é d' olhos verdes,
porque me não vedes.

Isenções a molhos
que eles dizem terdes,
não são d' olhos verdes,
nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos
e vós não me credes,
porque me não vedes.



Haviam de ser,
por que possa vê-los,
que uns olhos tão belos
não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.

Verdes não o são,
no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão.
Se na condição
está serem verdes,
porque me não vedes?
 
 
 
 
Natércia

Na metade do céu subido ardia
o claro, almo Pastor, quando deixavam
o verde pasto as cabras, e buscavam
a frescura suave da água fria.

Co a folha da árvore sombria,
do raio ardente as aves se emparavam;
o módulo cantar, de que cessavam,
só nas roucas cigarras se sentia,
quando Liso pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
com mil suspiros tristes que derrama.


«Porque te vás de quem por ti se perde,
para quem pouco te ama?» suspirava.
0 Eco lhe responde: «Pouco te ama.»
 
 
 
 
D. Francisca de Aragão

 Crecei, desejo meu, pois quea Ventura
já vos tem nos seus braços levantado;
que a bela causa de que sois gerado
o mais ditoso fim vos assegura.

Se aspirais por ousado a tanta altura,
não vos espante haver ao Sol chegado;
porque é de águia real vosso cuidado,
que, quanto mais o sofre, mais se apura.
Ânimo, coração! que o pensamento
te pode inda fazer mais glorioso,
sem que respeite a teu merecimento.

Que cresças inda mais é já forçoso,
porque, se foi de ousado o teu intento,
agora de atrevido é venturoso.
 
 
 
 
Glosa dedicada a D. Francisca de Aragão

A dona Francisca de Aragão, 
mandando-lhe esta regra que
lha glosasse
MOTE
Mas porém a que cuidados?
VOLTA
Tanto maiores tormentos
foram sempre os que sofri
daquilo que cabe em mi,
que não sei que pensamentos
são os para que naci.
Quando vejo este meu peito
a perigos arriscados
inclinado, bem suspeito
que a cuidadas sou sujeito:
mas porém a que cuidados?

OUTRA AO MESMO
Que vindes em mi buscar,
cuidados, que sou cativo
e não tenho que vos dar?
Se vindes a me matar,
já há muito que não vivo;
se vindes, porque me dais
tormentos desesperados,
eu, que sempre sofri mais,
não digo que não venhais:
mas porém a quê, cuidados?
 
Infanta D. Maria


(...)E acordado já do pensamento
que tão desacordado o sempre teve,
viu por acerto o bem que incerto tinha.
E, porque onde Amor a mais se atreve,
ali mais enfraquece o entendimento,
não lhe soube dizer o que convinha.
Como homem que à aprazada briga vinha,
a quem de fora engana
a confiança humana,

e despois, vendo o rosto a quem resiste,
treme, teme o perigo, e não insiste,
já se arrepende, a audácia lhe falece:
destarte o pastor triste
ousa, arreceia, esforça e enfraquece.
(...)
(excerto da écloga 
"Passado já algum tempo...)
 
 
Nise

Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memória a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado se encostava,
e os olhos pelas águas alongava,
que pouco se doíam de seu dano.

«Pois com tamanha mágoa e saüdade
- dezia - quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo Céu e estrelas.

Mas se em vós, ondas, mora piedade,
levai também as lágrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!»
 
 
 
 
 
 Dinamene

Ah, minha Dinamene, assi deixaste
quem não deixara nunca de querer-te!
Ah, Ninfa minha, já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!

Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que ainda tenho por pouco o viver triste?

0 céu, a terra, o vento sossegado;
as ondas, que se estendem pela areia;
os peixes, que no mar o sono enfreia;
o nocturno silêncio repousado...

0 pescador Aónio que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado.

«Ondas - dezia -, antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita».

Ninguém lhe fala. 0 mar, de longe, bate;
move-se brandamente o arvoredo...
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
Quando de minhas mágoas a comprida
maginação os olhos me adormece,
em sonhos aquela alma me aparece
que para mim foi sonho nesta vida.

Lá nüa soïdade, onde estendida
a vista pelo campo desfalece,
corro para ela; e ela então parece
que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: «Não me fujais, sombra benina!»
Ela (os olhos em mim cum brando pejo,
como quem diz que já não pode ser),

torna a fugir-me; e eu, gritando Dina...,
antes que diga mene, acordo e vejo
que nem um breve engano posso ter.
 
 
Bárbara

Endechas a üa cativa com quem andava de amores na Índia, chamada Bárbora.

Aquela cativa,
que me tem cativo
porque nela vivo,
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que para meus olhos
fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
nem no céu estrelas
me parecem belas
como os meus amores.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.
 
Üa graça viva,
que neles lhe mora,
para ser senhora
de quem é cativa...

Pretos os cabelos,
onde o povo vão
perde opinião
que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
tão doce a figura,
que a neve lhe jura
que trocara a cor.
Leda mansidão
que o siso acompanha;
bem parece estranha,
mas bárbora não.

Presença serena
que a tormenta amansa;
nela, enfim, descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo.
E pois nela vivo,
é força que viva.